quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Um texto pode conter poesia


O ÚLTIMO TANGO DE MARADONA

Arte de Eduardo Nasi
 
O amor não permite avareza. É a regra elementar.

Quem é avarento não ama. Assim como políticos que enriquecem durante seu mandato roubam, os casados que prosperam não se gostam mais. O casal apaixonado está mais preocupado com o prazer da companhia do que enriquecer. Vai comprar uma tevê que o orçamento não autoriza, uma geladeira maior do que o salário e depois encontra um modo de pagar.
Quem ama parcela. E a perder de vista, no mínimo em 48x para ficar mais tempo junto.

Homem devoto é mão aberta. Oferece o que não tem. Privilegia o arrebatamento. Não conta centavos, divide conta e cobra juros.

O namorado/marido que é mesquinho é um falso admirador.


* * *

Vivian concordaria comigo.

Namorava Nei há três anos.

Ela: jornalista, 37 anos. Ele: engenheiro, 42 anos.

No Dia dos Namorados, armou viagem para Buenos Aires. Meticulosa, intensa, reservou um apartamento na Recoleta.

No mês que antecedeu a data, escolheu os presentes a partir de cuidadosa observação. Lembrou que o hobby predileto dele na infância era jogar futebol de mesa. Encomendou, portanto, um time de botão em madrepérola com as cores do tricolor. Achou um fabricante das peças em Pelotas. Sairia uma nota, mas azar. Também foi atrás da obra completa de Iron Maiden dentro de uma caveira. Custaria 500 dólares. Não tinha condições, porém arrumou um trabalho complementar de revisão de livros na madrugada e descolou a quantia.

* * *


Na Argentina, Vivian desembrulharia o sonho.  Quando os dois estavam a sós no quarto, ela se antecipou com os presentes.

— Tchantchantchan!

— O quê?

Ele chorou de emoção. As gotas pesaram nos cílios, e rolaram até os lábios.


* * *

Dali em diante, houve vinte minutos confusos de silêncio. Vivian aguardava a sua vez. Sentada, tímida, na ponta da cama.

Ele colocou a música no laptop, enfileirou os jogadores na escrivaninha e…

…nenhuma menção de lembrança para Vivian.

Vivian não falava mais. Com a alegria engasgada. “Será que ele me esqueceu?” — pensou.

Nei farejou tragédia no ar e gritou:

— Ah, tenho algo para ti!

Ela não se conteve e bateu palmas, como uma criança surpreendida em seu pensamento mais carente. O engenheiro abriu a mala e pegou, do fundo, um envelope pardo.

“Envelope pardo? O que será? Nunca vi notícia de presente em envelope pardo, só propina” ­— ela raciocinou, com medo.

Ao abrir, retirou uma fotografia de Diego Maradona.

Olhou para Nei, embasbacada: o que significava aquilo? Ele sabia que ela não se interessava por futebol.

Deu um voto de confiança e virou a foto, para ver se havia alguma coisa escrita: o autógrafo do craque ou a explicação da brincadeira.

O verso resplandecia em branco.

— Eu comprei uma para ti e outra para mim, não é legal? — ele ainda explicou.
 

* * *
 
Ela terminou o namoro naquele lance.

Quem ama não economiza.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira






Texto de: Fabricio Carpinejar

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