segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Barbosa Lessa

Luiz Carlos Barbosa Lessa com raízes: na Ilha da Madeira, o ramo rio-grandense da família Lessa se estabeleceu no município de Canguçu. Eram pequenos agricultores em busca de melhores oportunidades. 
Estabelecidos no novo continente, fizeram fama pela valentia e inteligência. Maneco Lessa, por exemplo, notabilizou-se como valente peleador, inspirando João Simões Lopes Neto no conto “Deve um queijo”. Seu filho Nico casou-se com a filha de um fazendeiro de Piratini e desta união nasceu Luiz de Oliveira Lessa. 
Já na infância, Luiz de O. Lessa demonstrava muita vivacidade de espírito, a ponto de o professor rural Macalão ter insistido junto ao pai Nico: “Mesmo que o senhor tenha que fazer economia noutros setores, de um jeito para que o Luiz continue os estudos no ginásio em Pelotas. Ele tem muita cabeça!”. 
Cursando o Ginásio Gonzaga, Luiz obteve notas que logo confirmaram a previsão do professor Macalão. Nessa época, o Seu Nico herdou um campo em Piratini e pôde matriculá-lo na Escola de Medicina do Rio de Janeiro (no RS ainda não havia esta especialização). E assim, Luiz de Oliveira Lessa se tornou o primeiro canguçuense com instrução de nível superior, formando-se em Medicina no ano de 1922. 
Voltou aos pagos e montou um consultório na vila de Canguçu. Logo conheceu uma bela moça do clã dos Mattos Moreira, a Alda. Ela morava na cidade de Pelotas e estudava piano e violino no Conservatório de Música. Do noivado ao casamento foi um tempo muito curto e já em 1924 nascia o primogênito Paulo. 
Os anos seguintes foram marcados pelo trabalho clínico de “médico de campanha”, muita paz doméstica temperada com os doces acordes de piano. Em 1929, o Dr. Lessa arrenda uma chácara nas proximidades da vila de Piratini e ali fixa residência com a esposa Alda e o pequeno Paulo.
“Tempo bom, aquele!” – relembra Lessa emocionado. E as evocações jorram como uma cascata carregada de memórias. 
“Recordo as traquinadas na praça, em torno do obelisco com a cara do Bento Gonçalves. E o impacto que nos causou uma fotografia tirada em Porto Alegre que mostrava Bento de corpo inteiro e a cavalo, num monumento também erguido por ocasião do Centenário Farroupilha. Aquilo, sim, é que devia ser brinquedo lindo! 
As histórias em quadrinhos de O Globo Juvenil, que eu comprava do Seu Almeida, agente do Correio. 
As aulas que minha mãe me dava, com tanto carinho, me ensinando não só as matérias necessárias para o futuro exame de Admissão ao Ginásio, mas também uma redação caprichada, teoria musical, o Primeiro Anno de Piano e uma extraordinária novidade tecnológica daquela época: a datilografia! Em toda a Piratini, somente três pessoas sabiam bater à máquina: minha mãe, o Seu Acrysio, secretário da Prefeitura, e eu! Meu primo Sady Scalante, dois anos mais moço do que eu, foi quem me ensinou a assar churrasco – nuns espetinhos fincados no chão-batido ao fundo da cozinha da casa dele. 
Padre Reynaldo, o vigário, foi quem me deu a primeira comunhão e, principalmente, o exemplo de amor ao próximo e respeito pelos carentes. Era um padre campeiro, percorrendo a cavalo os caminhos da sua paróquia. Pobre, pobre, pobre, só com uma batina remendada para vestir. Tinha tudo para virar, um dia, santo. 
Os merengues feitos pela mulher do Seu Cantídio, que os filhos depois vendiam, em balaio, nas ruas. As carreiras de petiço, na cancha da ponta-da-vila. 
E as cantigas e brincadeiras de roda da Ieda e outras gurias lindas, lindas, lindas.”
O tradicionalismo“Por essa época o Rio Grande andava bastante esquecido de si mesmo, e a própria bandeira estadual permanecia queimada e escondida desde novembro de 1937. Resquícios do Estado Novo e seu sufoco centralizador.
Foi então que o estudante Paixão Côrtes, com 19 anos de idade, deu o toque de reunir, em setembro de 1947, com a fundação do Departamento de Tradições Gaúchas do Grêmio Estudantil Júlio de Castilhos. E encilhou os primeiros pingos na capital. E acendeu a primeira Chama Crioula. E realizou a primeira Ronda Crioula. A primeira Semana Farroupilha. Com meia dúzia de gatos-pingados. 
Então peguei um caderno-de-aula, redigi uma conclamação expondo nossos objetivos e sai coletando assinaturas de apoio. Quando eu via na rua um rapaz com jeito de ser do interior, metia as caras; foi assim que conheci, por exemplo, o Wilmar Winck de Souza, de Palmeira das Missões. 
A mensagem era curta e grossa: Aqui trazemos um convite aos gaúchos que, embora residindo na capital e tendo hábitos citadinos, guardam ainda nas veias o sangue forte da terra rio-grandense. 
É sobre a fundação de um clube tradicionalista. Terá como finalidade reunir no mesmo rodeio os guapos das muitas querências do Rio Grande, mas agora residindo em Porto Alegre. Viva o Rio Grande do Sul! 
Passamos a nos reunir aos sábados à tarde, num improvisado galpão na Rua Duque de Caxias (residência do Dr. Carlos Alfredo Simch, pai de um dos rapazes estudantes do Julinho) e, entre um mate e outro, chegamos à elaboração dos estatutos do 35 – Centro de Tradições Gaúchas. 
Assinaram a ata de fundação vinte e quatro rapazes, a 24 de abril de 1948. E assim começou a funcionar o primeiro CTG.”
Nos rumos da pesquisa folclóricaIncipiente no Rio Grande do Sul, o movimento tradicionalista era muito forte no Uruguai que comemorava, com muita vibração popular, a cada ano, o “Dia de la Tradición”. Sabedor de que havia sido fundado em Porto Alegre o 35, o governo uruguaio envia ao governo do Estado do Rio Grande do Sul um convite para que, no “Dia de la Tradición” que se aproximava, os “gaúchos” brasileiros se fizessem representar nos desfiles e festejos de Montevidéu, ao lado dos gaúchos uruguaios e argentinos. E a rapaziada embarcou, tendo entre seus integrantes Barbosa Lessa e Paixão Côrtes. 
Diante do monumento La Carreta, aconteceu a integração. A moçada gaúcha ficou fascinada com as danças típicas do gaúcho platino e com as bonitas morochas com seus vestidos de chita. Descobriram ali como atrair “prendas” (moças) para os saraus do CTG 35. 
No retorno, procuraram livros que ensinassem as danças gaúchas. Encontraram Cezimbra Jacques e outros autores, mas sobre danças nada. Então, Lessa e Paixão começaram suas pesquisas, nos feriados e finais de semana, por todas as regiões do Estado, entrevistando músicos e velhos informantes. Nada ou quase nada. Três anos, de 1950 a 1952, foram gastos para juntar um pedacinho aqui e outro ali, recriando melodias e coreografias. Irmãs e primas foram convocadas e surgiram as primeiras apresentações de danças gaúchas que receberam aplausos do público. Aplausos, principalmente, para as bonitas “prendas”. 
O trabalho continuou com a elaboração de partituras (Dona Alda foi importante colaboradora), desenhos da coreografia (Myriam, namorada do Sady, ajudou), ilustrações realçando detalhes de cada dança (Isolde Brans manifestou seu talento artístico). Após mais um ano de trabalho, ficou pronto para ser editado o Manual de danças gaúchas. Faltava encontrar uma editora que publicasse as partituras e um bom cantor ou cantora que as interpretasse. Mas onde?

As primeiras composições musicais
Além das reuniões rotineiras da rapaziada em torno do fogo de chão, para tomar mate e contar causos, no galpão do Simch, na Rua Duque de Caxias, o CTG 35 passou a realizar periodicamente uns “chimarrões festivos”, abertos ao público, no auditório da FARSUL, Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul.
Então o Paixão Côrtes declamava poesias campeiras do Lauro Rodrigues, o Wilmar “Provisório” Winck de Souza cantarolava trovas de improviso, o Cyro Dutra Ferreira contava gauchadas praticadas na estância do pai em são Jerônimo. Às vezes, o Paulo “Grosso” lascava uma rancheirinha na gaita. Coisas assim. Mas todos, todos, sentiam falta de um cantador, de um conjunto de cantores, enfim de alguém que também mostrasse o cancioneiro típico do Rio Grande. 
Naquela época, os ouvidos brasileiros pareciam estar atentos apenas aos hits norte-americanos relançados pelos estúdios do Rio de Janeiro e São Paulo. E no Rio Grande, embora sem nenhum disco gravado (não havia estúdios profissionais por aqui), quem mais colhia aplausos era um pequeno grupo de rapazes e moças cantando na Rádio Farroupilha – com requintes de harmonização vocal – as melhores páginas da música norte-americana e brasileira em geral: o Conjunto Farroupilha. 
Por experiência própria, desde os tempos de Os Minuanos no Ginásio Gonzaga, Lessa sabia que o problema maior nesse campo, não era tanto a “concorrência” estrangeira, mas, cruamente, a inexistência de um amplo repertório regional. 
Então, pegou do violão e foi arranhando – para apresentar nos “chimarrões festivos” do 35 – suas primeiras composições musicais. Uma toada:

Oi, utcha-lo vida braba!
oi, colorado boi!
Pelas voltas do caminho 
as carretas lá se vão...

Uma valsinha:

Quero-quero! Quero-quero! 
Quero-quero gritou lá em cima.

Mais uma toada:

Negrinho do Pastoreio, 
acendo esta vela pra ti, 
e peço que me devolvas 
a querência que eu perdi.

Fonte: http://www.fundacaobarbosalessa.com.br

Barbosa Lessa, um erudito da cultura popular 
Joana Bosak de Figueiredo 

Muito além dos rótulos de tradicionalista e folclorista que lhe foram imputados, o artista multimídia Luiz Carlos Barbosa Lessa foi, antes de tudo, um escritor.Embora sua obra literária tenha ficado à sombra de uma inegável liderança intelectual no Movimento Tradicionalista Gaúcho, é na literatura empenhada desse artista renascentista - conforme designação dada pelo crítico musical Juarez Fonseca, na compilação que fez de seu cancioneiro: Barbosa Lessa, 50 anos de música - que percebemos sua extensa e profunda contribuição à cultura gaúcha.
Autor de clássicos da música regional como Negrinho do Pastoreio, Balaio, Pezinho, Quero-quero, Cantiga de Eira - recentemente gravada por Marcelo Delacroix - e Balseiros do Rio Uruguai, Barbosa Lessa também adensou sensivelmente o tema da formação da sociedade gaúcha em sua literatura múltipla.
Livros como O Boi das Aspas de Ouro (1958), Os Guaxos (1959), Rodeio dos Ventos (1978) e Era de Aré (1993), entre mais de 50 volumes, atestam sua permanência e vitalidade nos temas de fundo histórico e cultural sul-rio-grandense.
Não apenas preocupado com uma visão já consolidada do tipo social gaúcho, Barbosa Lessa adentrou por uma seara ainda inexplorada quando do início de sua carreira literária: a dos guaxos. Os guaxos são, para o autor, os verdadeiros protagonistas da história do Rio Grande do Sul, difusos em meio aos acontecimentos históricos, mas donos efetivos de uma história levada a cabo por peões comuns, mulheres de estância, chinas, descendentes de escravos, mestiços; que conformam um verdadeiro painel dessa cultura híbrida e desigual, nem sempre percebida com a lucidez ímpar desse autor engajado com o todo do Rio Grande do Sul.

Joana Bosak de Figueiredo 
é Mestre em História, Doutora em Literatura Comparada (UFRGS). Foi professora substituta na UFRGS em 2000-2001, fez doutorado sanduíche na Universitat de Barcelona e defendeu tese em abril de 2006 sobre o gaúcho como fenômeno reposto do regionalismo, partindo de dois autores: Barbosa Lessa e Ricardo Güiraldes.

Fonte: http://www.celpcyro.org.br

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