sábado, 29 de dezembro de 2012

ANTÔNIO AUGUSTO FERREIRA - Tocaio Ferreira

Escritor era integrante da Academia Rio-Grandense de LetrasFoto: Claudio Vaz
Morre aos 72 anos o compositor Antonio Augusto Ferreira Claudio Vaz /
Nascido em São Sepé em 1853, ele era integrante da Academia Rio-Grandense de Letras e da Academia Santa-Mariense de Letras (ASL). Em 1980, ganhou a Califórnia da Canção Nativa com a música Veterano. 
Premiado em diversos festivais de música, Ferreira escreveu cinco livros e uma obra que chamam atenção pela musicalidade e pela inspiração no universo campeiro. Em Santa Maria, cidade que adotou em 1973, Ferreira era Oficial do Registro de Imóveis. A prefeitura decretou luto oficial de três dias. 
Há 12 anos, Tocaio Ferreira, como também era conhecido, convivia com o mal de Parkinson. Mas foi o avanço de um tumor no cérebro que silenciou o autor de poesias e canções inspiradas pelo universo campeiro. 
Ferreira passou a infância em São Sepé, onde nasceu em 1935. Mas só despertou sua veia poética na adolescência. Dos 14 aos 23 anos, começou a se dedicar à produção literária. Com o pseudônimo de Tocaio Ferreira, passou a publicar, nos anos 50, poemas em jornais como A Hora e Correio do Povo. 
Viveu em Porto Alegre, Passo Fundo, Sananduva, Santa Maria e Pelotas, onde cursou Direito. Passou 23 anos sem escrever nem mesmo uma linha. Foi o tempo em que construiu família e encontrou a estabilidade profissional. 
— Tive de renunciar à poesia como uma alcoólatra renuncia à bebida. Estava viciado em poesia. Parei para me dedicar à vida. Casei, tive quatro filhos e estudei — disse ele aoDiário de Santa Maria, em 2006.

O recomeço foi em 1980, com a música Veterano, escrita para um sobrinho vítima de um acidente. A canção levou a Calhandra de Ouro da 10ª Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana. Também é conhecido por músicas como Entardecer, Sanga e Guitarra. 
Em 1985, Ferreira lançou seu primeiro livro, Sol de Maio (poesia). Só em 1997 veio a segunda obra, Alma de Poço, também de poesias, seguida pelos CDs Alma de Poço 1 e 2.
Em 2001, ganhou o troféu Negrinho do Pastoreio da Poesia Campeira, do governo do Estado. A estréia na prosa aconteceu em 2003, com a publicação de Tio Bonifa e Seu Cachorro Piraju. No mesmo ano, foi patrono da Feira do Livro de Santa Maria. Ferreira ainda participou de diversas coletâneas e criou uma obra com mais de 500 poemas. 
Em 2004, foi eleito para integrar a Academia Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira 28, que tem como patrono o João Belém e tinha como ocupante anterior o teatrólogo, jornalista e escritor Edmundo Cardoso, morto em 2002. 
— Eu sou muito novo, não tenho 70 anos ainda. Tenho muito o que aprender — disse ele ao Diário de Santa Maria, em 2004, às vésperas de integrar a Academia Rio-Grandense.

Na Feira do Livro de Santa Maria de 2005, lançou dois livros de poesia ao mesmo tempo:Coisas da Vida e Coisas do Campo. No primeiro, ele explora o cotidiano. Já no segundo, inspira-se no na vida campeira, universo que demarca suas origens e sua produção artística. Em 2006, na criação da ASL, tornou-se ocupante da cadeira número 1, com Luiz Carlos Barbosa Lessa como patrono. 
— Minha poesia é universal com a fala do campo. Este linguajar está no que escrevo — disse em 2003 ao Diário de Santa Maria, quando foi convidado a ser patrono da Feira do Livro de Santa Maria.
Teve poemas premiados em primeiro lugar na terceira Chasqueada da Poesia Crioula de Livramento, em 1984; no Festival de Poesia e Declamação de Campo Bom, em 1996; e no Festival de Poesia de Declamação em Santa Maria, em 1997. Seu primeiro livro foi Sol de Maio, publicado em 1985 e reeditado em 1997.

Fonte e foto: zerohora.clicrbs.com.br

SONHO CRIADOR
Antônio Augusto Ferreira

Não,
já não são mais de mim as arrancadas
que ao um corpo velho só restou defeitos.
Os horizontes turvos do meu peito
já tiveram a cor das madrugadas.
Também fui moço
e parti a inventar um mundo novo,
o braço verde, o peito pelechado,
os olhos claros refletindo, alçados,
a cor do céu, boiando nas aguadas.

Eu era o capataz do meu destino
e empurrava a pobreza nos encontros,
varando a vida arisca como um potro,
levando sempre um ideal de tiro.
A lua cheia a gauderiar comigo
me iluminava os rumos da cruzada,
com meu sorriso de topar parada
e a voz de calmaria no perigo.

E eu tive coragem na vigília
e tive por fortuna a juventude
e aqueles sonhos de quem tem saúde
no aconchego tranqüilo da família.
Nem o trabalho, nem a dura lida
me achou amargo, nem me fez cansado.
E eu fui um pouco um tigre renegado
para buscar o brabo pão da vida.

As minhas cartas não vieram marcadas para o jogo,
mas eu peguei na brasa e comi fogo,
e me lambi do suor para consolo.
O meu caminho, que encontrei tapado
eu fui abrindo à foice e a machado,
e se algum dia eu levantei telhado
eu amassei com os meus pés o tijolo.
Os meus baguais,
fui eu próprio quem teve de domá-los,
pois não se emprestam, nem se dão cavalos
a quem não tem onde cair morto.
Mas a cada golpe,
a cada tirão que eu dava e recebia
o velho sonho se fortalecia
de um dia ter tropilha e criar potro.

Ah! mocidade arisca que dispara!
Eu tinha muita força no tutano
e a coragem de armar meu próprio plano
sem o receio de quebrar a cara.
Então derrubei mato e na coivara
plantei a saraquá, milho de cova,
e a minh'alma brotou na roça nova
que o meu próprio machado derrubara.

Ver a planta que nasce é ver um filho.
Eu, que plantara um sonho de fartura,
via crescer tão verde e tão segura
minha ilusão, com que adubara o milho.
E plantar outra vez a terra amiga...
A mão da inchada é a mesma da guitarra
e a alma cantadeira é de cigarra.

E o sonho criador se fez um dia.
A vaca mansa, vinda por leiteira,
amanheceu num canto da mangueira
transparente de luz, lambendo a cria.
O sol é o mesmo, mas é outro o brilho.
A semente madura é fecundada,
e a jovem moça, eterna namorada,
incha a barriga para ter o meu filho.

Como uma ave grande, sob as asas
chama e protege uma ninhada inteira,
e eu apontei pro céu outra cumieira.
e ergui mais um puxado pras casa.
E as nossas quatro mãos foram pequenas
pro cercado, o pomar, o pátio cheio.
E o céu amanhecia nas estrelas
dos olhos da prole que nos veio.

E vieram bonecas e petiços,
as tardes domingueiras se passando.
Nesse tempo os verões andam voando
se a gurizada cresce em pleno viço.
Depois, são os colégios, a cidade.
Há que tocar-se a vida para frente.
O pago então é um sonho decadente
sobrevivendo em brumas, na saudade.

Agora cada qual faz seu caminho.
Batem asas os filhos quando emplumam,
mais dia, menos dia, todos rumam
a construir seu próprio rancho e ninho.
De um sonho criador, quanto carinho,
quanta saudade boa pra viver
na sina de cumprir este destino
de criar filhos pra depois perder.

5 comentários:

  1. Maravilhosa poesia!!! Grande mestre Antonio Augusto Ferreira!!!!!!

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  2. Um verdadeiro poeta gaúcho!

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  3. Preciso da letra Senhora para enviar a um amigo em Taype

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  4. Ouço desde guri, hoje avô, ainda engasgo com estes versos que nortearam a minha vida!

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  5. Realmente é uma das mais bonitas poesias gauchescas. Apenas para contribuir, seria bom que se procurasse escrever as palavras certas (inchada ao invés da enxada - instrumento agrícola). Também falta um verso qdo diz: A mão da enxada é a mesma da guitarra, faltou "o meu braço operário é de formiga" e segue "mas a alma cantadeira é de cigarra".

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