Muita coisa nesse texto do Leandro está no Polígrafo elaborado pelo Galpão da Poesia Crioula de Santa Maria, lá por 1999/2001 falando dos fundamentos da Poesia, isso mostra que uma pequena semente plantada já vem dando seus frutos. Essa é a função do Galpão da Poesia Crioula.
Leiam que tem muita coisa interessante para quem quer conhecer mais sobre poesia.
A declamação é uma arte cênica. Resumidamente, trata-se da recitação de textos poéticos. É uma arte universal, difundida praticamente em todos os povos que possuem palavra escrita.
Originou-se provavelmente na Grécia. Um dos primeiros registros históricos do que pode ter sido o precursor da declamação nos moldes conhecidos hoje em dia vem de 534 a.C., quando o poeta grego Téspis, durante uma encenação em forma de cântico em honra ao deus Dionísio, afasta-se dos demais integrantes do coro e recita outro cântico, de forma falada, sozinho.
A interpretação da poesia no Rio Grande do Sul é um capítulo à parte na bela história poética brasileira. Tradicionalmente sozinho, o declamador, que também pode estar acompanhado de instrumento musical, utiliza elementos básicos de interpretação (postura cênica, fundamentos de voz) e talento para transmitir a mensagem do poeta. São as qualidades técnicas que envolvem fundamentos de voz e cenicidade postural, enquanto o talento advém da capacidade que o intérprete tem de manipular suas emoções, de maneira que os interlocutores “vejam” e “sintam” aquilo que está sentindo no momento da declamação.
O estilo que vemos nas apresentações de hoje são uma mescla da declamação que já havia nas culturas de origem ibérica na América do Sul; em seguida, como uma forma de “ostentar a erudição” de suas filhas, os homens mais abastados promoviam serões em seus casarões onde as mulheres declamavam poemas de poetas clássicos; futuramente ganha ares de crioulismo, quando poetas como Aureliano de Figueiredo Pinto e Vargas Neto, entre outros, começam uma produção poética com temática campeira e regional.
A ESCOLHA DO POEMA
Quando tratamos da escolha de um poema para interpretá-lo, um dos primeiros questionamentos que ouvimos é referente ao fato dele ser adequado ou não. Dúvidas quanto o poema ser certo ou errado, masculino ou feminino são corriqueiras entre os declamadores, inclusive experientes.
O que pode determinar se a arte é certa ou errada? A resposta é a seguinte: não há poema errado. O que pode haver é um poema inadequado à proposta da apresentação. Concursos, tertúlias, apresentações, serões, festivais... Há espaço para todo o estilo criativo poético. As recomendações mais simples visam a observação do bom-senso.
- com relação a um poema ser masculino ou feminino: o que se pode afirmar de certeza é que sendo a declamação uma arte cênica e o declamador um intérprete, o gênero, implícito ou explícito, não interfere negativamente na avaliação que se faz de um declamador. Muito pelo contrário, pois quanto mais elementos dramáticos o poema oferece, mais se pode extrair cenicamente do mesmo. E isto é levado em conta no momento em que se avalia uma interpretação. Claro, o bom-senso sempre deve ser o limitador que separa o que é válido e o que é exagero.
Escolhido o poema, após um estudo do vocabulário, o declamador pode decorá-lo. Sempre respeitando a pontuação correta, evitando-se decorar o poema “linha por linha”. Tente lê-lo como se fosse um texto em prosa, parando e pausando nas pontuações apenas, o que vai favorecer muito na hora de começar a ensaiar.
NO PALCO
A POSTURA DO DECLAMADOR
Após ser chamado pelo apresentador, o intérprete pode cumprimentar a comissão avaliadora e entregar a cópia do poema para fins de avaliação de fidelidade ao texto. Esta cópia deve ser livre de dobras, amassados ou rasuras. Evite ao máximo manuscritos ou cópias reaproveitadas de outros concursos. Ao microfone o declamador apresenta o título e o autor do poema e se prepara à sua maneira para iniciar a recitação. Apenas título e autor. Nada de nome, idade, entidade, cargo. Também não é necessário o famoso “declamarei uma poesia”, haja visto que é óbvio que este é o objetivos de todos ali. Também não há necessidade nenhuma do declamador ir cumprimentar novamente a comissão avaliadora ao terminar o poema. Neste momento os avaliadores estão atribuindo notas, somando e debatendo sobre detalhes relacionados ao que foi apresentado no palco; agradeça a atenção e os aplausos no microfone e pronto.
O declamador não tem obrigação nenhuma de ter conhecimento de equalização ou preparação do som. Normalmente os eventos providenciam que tenha uma pessoa responsável para que estes detalhes sejam prontamente verificados. Quando isto não acontece, o próprio intérprete tem que procurar a melhor condição para fazer sua apresentação.
O microfone é um aliado. Ele está ali justamente para que nos façamos entender sem necessidade de gritar ou fugir do nosso tom normal de voz. Um cuidado que temos que ter com ele é de não deixá-lo em uma posição que cubra o rosto ou que não atrapalhe a dicção. Uma dica é deixá-lo na altura do queixo; outra dica é posicioná-lo há um punho fechado de distância da boca, pois desta forma se evita que o ar que sai da boca na construção dos fonemas apareça nas caixas de som, dando aquela impressão de “sopro”.
Em tese, quem faz o público é o declamador. Se uma apresentação se faz de forma que atraia a atenção para si, a platéia vai fazer silêncio. Mas isto é um tanto relativo. Por via das dúvidas, devemos considerar que a atenção e a concentração fazem parte do trabalho interpretativo. Que conversas paralelas atrapalham não há dúvida, mas abster-se do ambiente é uma capacidade que está bem definida entre as qualidades do declamador. O som do acompanhamento musical ajuda bastante neste detalhe.
O acompanhamento musical, como o próprio nome diz, serve para acompanhar o declamador. A música, além de trazer uma “beleza sonora” à apresentação, ainda oferece uma forma de o intérprete abster-se do ambiente físico transpondo-se para o mundo do poema. O trabalho do instrumentista jamais deve impor-se ao do intérprete, que é na verdade o elemento principal da apresentação.
INTERPRETAÇÃO, POSTURA CÊNICA, EXPRESSÃO GESTUAL E FACIAL
A interpretação (transmissão da mensagem poética) é o elemento principal da declamação, ela que determina quando se está “falando uma poesia” ou realmente declamando. O bom intérprete consegue transmitir a mensagem do poeta de forma que a platéia assistente sinta o mais próximo possível aquilo que o autor estava sentindo no momento da composição. E este é o item mais difícil de se trabalhar, pois trata de uma questão de talento e subjetividade. O intérprete é um ator, a ele cabe convencer, seduzir ou induzir a assistência, fazer brotar emoções, conduzi-la pelo mundo que o poeta sonhou, vislumbrou ou imaginou.
O declamador deve utilizar-se de elementos que servem para externar suas emoções: postura cênica, expressão gestual e expressão facial. Todos são ferramentas cênicas externas, mas que servem como vitrine para trabalhar o sentimento interior, tanto do declamador quanto da platéia.
Tecnicamente, a postura em que o declamador deve apresentar-se é de pé, voltado à platéia – esta postura é uma imposição do microfone, não uma necessidade obrigatoriamente fundamental. Claro, o fato de estar de pé facilita e muito a construção gestual de vários elementos que podem aparecer no poema.
A expressão gestual até bem pouco tempo era erroneamente chamada de “mímica”. Ora, se mímica é uma representação corporal que substitui a palavra falada, logo não pode ser usada em uma apresentação de declamação, que é oral. A expressão gestual deve ser feita de forma natural, sem exageros ou repetições. Não serve para substituir a palavra, mas para ilustrá-la. Um dos principais exageros que percebemos nos concursos de declamação é usar a expressão gestual para o óbvio, como apontar para os olhos, por exemplo, quando o poema fala em “olhos”; de certa forma esta atitude acaba confrontando a própria inteligência da platéia.
A expressão facial é o principal elemento da interpretação. É com o rosto que o declamador expõe o seu emocional. O uso desta expressão está condicionado diretamente à boa compreensão do poema por parte do intérprete. Se este não compreende o poema, não pode representar a mensagem poética através da representatividade emocional da face.
FUNDAMENTOS DA VOZ
A voz é a ferramenta principal do declamador. É através dela que existe a interação entre intérprete e público. Assim com as expressões gestual e facial, através da voz pode-se exprimir sentimento e deixar transparecer a emoção. Mas neste fundamento existe uma particularidade: tal emoção não pode ofuscá-lo de forma a deformá-lo, tornando difícil a compreensão do poema por parte de quem ouve.
Resumidamente, o declamador que possui uma boa dicção é aquele que fala com clareza, destacando cada sílaba de forma que qualquer um que ouça consiga captar toda a mensagem poética.
Impostar a voz significa fixar a voz nas cordas vocais, para que se emita o som em sua plenitude, sem tremor nem vacilação. Não se trata de “mudar a voz”, mas de torná-la limpa de falhas. Não pode ser confundida com dicção, pois uma pessoa pode falar de forma compreensível (com uma boa dicção), mas apresentar falhas que comprometam a pureza dos fonemas. Uma boa impostação de voz implica em uma maior atenção do público, pois possibilita uma concentração maior de quem procura captar a mensagem poética.
A inflexão de voz é um dos elementos mais complexos de se avaliar em uma interpretação. Tecnicamente, podemos dizer que toda a alteração no ritmo da fala é uma flexão da voz. Um dos erros mais cometidos por quem declama é o de “cantar” os versos, imprimindo um ritmo quase musical ao poema. Esta falha é na verdade uma exagerada flexão da voz, forçando o final de cada verso de forma que este pareça estar sendo cantado. Como sugestão, pode-se dizer que dentro de cada sentença do poema, o espaço entre duas pontuações, possui um elemento que resume sua idéia ou uma palavra que sintetiza aquele pensamento, é nesta palavra que o declamador deve reservar a flexão da voz, destacando-a sem alterar o ritmo da fala, dando a esta palavra uma tonalidade que reforce o seu sentido (força, grandeza, calmaria, sentimento, etc.). Em uma estrofe, podemos encontrar vários versos sequenciais que representam apenas uma idéia ou sentença, neste caso o intérprete verifica qual palavra sintetiza esta idéia para que seja feita a flexão de voz.
TENHO DITO...
Esperamos que através deste trabalho despretensioso possamos ter contribuído com todos que, assim como nós, amam a poesia e procuram começar a interpretá-la. Não o encare como um material doutrinador, uma palavra definitiva. A declamação é uma arte criativa, cuja execução é particular de cada intérprete, seguindo seu estilo, sua vivência e sua qualidade cênica.
De qualquer forma, o conteúdo deste é um pequeno estudo que procurou definir alguns elementos da declamação, que muitas vezes ficam mais difíceis de serem definidos e compreendidos por não existir material impresso de qualidade que seja voltado exclusivamente para uso dos declamadores.
Este referencial pode ser replicado sem qualquer problema, mas gostaríamos de lembrar os amigos que, quando da reprodução total ou parcial, não esqueçam de creditar a fonte, pois este é fruto de pesquisa e trabalho.
Texto de: leandro@aquecimentocenico.com.br
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