Nascido em São Sepé em 1853, ele era integrante da Academia Rio-Grandense de Letras e da Academia Santa-Mariense de Letras (ASL). Em 1980, ganhou a Califórnia da Canção Nativa com a música Veterano.
Premiado em diversos festivais de música, Ferreira escreveu cinco livros e uma obra que chamam atenção pela musicalidade e pela inspiração no universo campeiro. Em Santa Maria, cidade que adotou em 1973, Ferreira era Oficial do Registro de Imóveis. A prefeitura decretou luto oficial de três dias.
Há 12 anos, Tocaio Ferreira, como também era conhecido, convivia com o mal de Parkinson. Mas foi o avanço de um tumor no cérebro que silenciou o autor de poesias e canções inspiradas pelo universo campeiro.
Ferreira passou a infância em São Sepé, onde nasceu em 1935. Mas só despertou sua veia poética na adolescência. Dos 14 aos 23 anos, começou a se dedicar à produção literária. Com o pseudônimo de Tocaio Ferreira, passou a publicar, nos anos 50, poemas em jornais como A Hora e Correio do Povo.
Viveu em Porto Alegre, Passo Fundo, Sananduva, Santa Maria e Pelotas, onde cursou Direito. Passou 23 anos sem escrever nem mesmo uma linha. Foi o tempo em que construiu família e encontrou a estabilidade profissional.
— Tive de renunciar à poesia como uma alcoólatra renuncia à bebida. Estava viciado em poesia. Parei para me dedicar à vida. Casei, tive quatro filhos e estudei — disse ele aoDiário de Santa Maria, em 2006.
O recomeço foi em 1980, com a música Veterano, escrita para um sobrinho vítima de um acidente. A canção levou a Calhandra de Ouro da 10ª Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana. Também é conhecido por músicas como Entardecer, Sanga e Guitarra.
Em 1985, Ferreira lançou seu primeiro livro, Sol de Maio (poesia). Só em 1997 veio a segunda obra, Alma de Poço, também de poesias, seguida pelos CDs Alma de Poço 1 e 2.
Em 2001, ganhou o troféu Negrinho do Pastoreio da Poesia Campeira, do governo do Estado. A estréia na prosa aconteceu em 2003, com a publicação de Tio Bonifa e Seu Cachorro Piraju. No mesmo ano, foi patrono da Feira do Livro de Santa Maria. Ferreira ainda participou de diversas coletâneas e criou uma obra com mais de 500 poemas.
Em 2004, foi eleito para integrar a Academia Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira 28, que tem como patrono o João Belém e tinha como ocupante anterior o teatrólogo, jornalista e escritor Edmundo Cardoso, morto em 2002.
— Eu sou muito novo, não tenho 70 anos ainda. Tenho muito o que aprender — disse ele ao Diário de Santa Maria, em 2004, às vésperas de integrar a Academia Rio-Grandense.
Na Feira do Livro de Santa Maria de 2005, lançou dois livros de poesia ao mesmo tempo:Coisas da Vida e Coisas do Campo. No primeiro, ele explora o cotidiano. Já no segundo, inspira-se no na vida campeira, universo que demarca suas origens e sua produção artística. Em 2006, na criação da ASL, tornou-se ocupante da cadeira número 1, com Luiz Carlos Barbosa Lessa como patrono.
— Minha poesia é universal com a fala do campo. Este linguajar está no que escrevo — disse em 2003 ao Diário de Santa Maria, quando foi convidado a ser patrono da Feira do Livro de Santa Maria.
Teve poemas premiados em primeiro lugar na terceira Chasqueada da Poesia Crioula de Livramento, em 1984; no Festival de Poesia e Declamação de Campo Bom, em 1996; e no Festival de Poesia de Declamação em Santa Maria, em 1997. Seu primeiro livro foi Sol de Maio, publicado em 1985 e reeditado em 1997.
Fonte e foto: zerohora.clicrbs.com.br
SONHO CRIADOR
Antônio Augusto Ferreira
Não,
já não são mais de mim as arrancadas
que ao um corpo velho só restou defeitos.
Os horizontes turvos do meu peito
já tiveram a cor das madrugadas.
Também fui moço
e parti a inventar um mundo novo,
o braço verde, o peito pelechado,
os olhos claros refletindo, alçados,
a cor do céu, boiando nas aguadas.
Eu era o capataz do meu destino
e empurrava a pobreza nos encontros,
varando a vida arisca como um potro,
levando sempre um ideal de tiro.
A lua cheia a gauderiar comigo
me iluminava os rumos da cruzada,
com meu sorriso de topar parada
e a voz de calmaria no perigo.
E eu tive coragem na vigília
e tive por fortuna a juventude
e aqueles sonhos de quem tem saúde
no aconchego tranqüilo da família.
Nem o trabalho, nem a dura lida
me achou amargo, nem me fez cansado.
E eu fui um pouco um tigre renegado
para buscar o brabo pão da vida.
As minhas cartas não vieram marcadas para o jogo,
mas eu peguei na brasa e comi fogo,
e me lambi do suor para consolo.
O meu caminho, que encontrei tapado
eu fui abrindo à foice e a machado,
e se algum dia eu levantei telhado
eu amassei com os meus pés o tijolo.
Os meus baguais,
fui eu próprio quem teve de domá-los,
pois não se emprestam, nem se dão cavalos
a quem não tem onde cair morto.
Mas a cada golpe,
a cada tirão que eu dava e recebia
o velho sonho se fortalecia
de um dia ter tropilha e criar potro.
Ah! mocidade arisca que dispara!
Eu tinha muita força no tutano
e a coragem de armar meu próprio plano
sem o receio de quebrar a cara.
Então derrubei mato e na coivara
plantei a saraquá, milho de cova,
e a minh'alma brotou na roça nova
que o meu próprio machado derrubara.
Ver a planta que nasce é ver um filho.
Eu, que plantara um sonho de fartura,
via crescer tão verde e tão segura
minha ilusão, com que adubara o milho.
E plantar outra vez a terra amiga...
A mão da inchada é a mesma da guitarra
e a alma cantadeira é de cigarra.
E o sonho criador se fez um dia.
A vaca mansa, vinda por leiteira,
amanheceu num canto da mangueira
transparente de luz, lambendo a cria.
O sol é o mesmo, mas é outro o brilho.
A semente madura é fecundada,
e a jovem moça, eterna namorada,
incha a barriga para ter o meu filho.
Como uma ave grande, sob as asas
chama e protege uma ninhada inteira,
e eu apontei pro céu outra cumieira.
e ergui mais um puxado pras casa.
E as nossas quatro mãos foram pequenas
pro cercado, o pomar, o pátio cheio.
E o céu amanhecia nas estrelas
dos olhos da prole que nos veio.
E vieram bonecas e petiços,
as tardes domingueiras se passando.
Nesse tempo os verões andam voando
se a gurizada cresce em pleno viço.
Depois, são os colégios, a cidade.
Há que tocar-se a vida para frente.
O pago então é um sonho decadente
sobrevivendo em brumas, na saudade.
Agora cada qual faz seu caminho.
Batem asas os filhos quando emplumam,
mais dia, menos dia, todos rumam
a construir seu próprio rancho e ninho.
De um sonho criador, quanto carinho,
quanta saudade boa pra viver
na sina de cumprir este destino
de criar filhos pra depois perder.
Maravilhosa poesia!!! Grande mestre Antonio Augusto Ferreira!!!!!!
ResponderExcluirUm verdadeiro poeta gaúcho!
ResponderExcluirPreciso da letra Senhora para enviar a um amigo em Taype
ResponderExcluirOuço desde guri, hoje avô, ainda engasgo com estes versos que nortearam a minha vida!
ResponderExcluirRealmente é uma das mais bonitas poesias gauchescas. Apenas para contribuir, seria bom que se procurasse escrever as palavras certas (inchada ao invés da enxada - instrumento agrícola). Também falta um verso qdo diz: A mão da enxada é a mesma da guitarra, faltou "o meu braço operário é de formiga" e segue "mas a alma cantadeira é de cigarra".
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